Correio Brasília

Testemunhas de Jeová se mobilizam no DF contra proibição da sua fé na Rússia

02/04/2017 17:26

Uma ação política deflagrada há mais de 11 mil quilômetros do Distrito Federal provocou reação em diversos moradores da capital. Brasilienses integrantes da organização Testemunhas de Jeová enviaram milhares de cartas de protesto à Embaixada da Rússia, na Quadra 801 do Setor de Embaixadas Sul, para reclamar contra a proibição da atuação do grupo cristão na Rússia. O Ministério da Justiça daquele país solicitou que a comunidade religiosa seja considerada extremista e banida. Em 5 de abril, o Supremo Tribunal da Federação Russa vai avaliar o pedido, que pode afetar a vida de cerca de 175 mil seguidores. As famílias pedem a intervenção do embaixador Sergey Pogóssovitch Akopov para a suspensão do processo. O “cartaço” à representação russa no Brasil é ainda maior, já que grupos de vários estados aderiram à iniciativa. As manifestações também se multiplicam nas redes sociais, onde seguidores do credo usam o perfil da representação no Facebook para reclamar.

O Ministério da Justiça russo já havia proibido a circulação de materiais de divulgação e doutrinação de Testemunhas de Jeová, entre eles, uma Bíblia adaptada, um folheto de divulgação ilustrado e um livro de histórias bíblicas para crianças com termos e frases que podem ser consideradao agressivos por pessoas que não fazem parte do credo. Uma reportagem de 29 de novembro de 2016, publicada no site da organização, mostra um grupo de homens vestidos de preto invadindo um salão e, aparentemente, plantando material proibido pelo governo russo no local. Porta-vozes da comunidade religiosa no DF, Adriano Faria e José Emiliano Ribeiro Filho explicam que a estrutura e o material religioso do grupo é o mesmo, tanto no país do norte da Eurásia quanto no Brasil, por exemplo. Mas garantem que, após a proibição, os fiéis daquele país teriam deixado de usar as publicações em pregações.

Frequentadores de uma congregação no Cruzeiro, Roberto e Gysela Kayano também enviaram carta à embaixada: a filha do casal, Saori, fez inclusive um desenho (detalhe)

Adriano está entre os que enviaram cartas para a Embaixada da Rússia no Brasil. Ele também escreveu para autorFrequentadores de uma congregação no Cruzeiro, Roberto e Gysela Kayano também enviaram carta à embaixada: a filha do casal, Saori, fez inclusive um desenho (detalhe)idades russas, incluindo o presidente do país, Vladimir Putin. “Eu pedi a ajuda do embaixador para evitar a iminente proibição das Testemunhas de Jeová, que pode afetar a vida de 175 mil russos e, até, colocá-los na ilegalidade. Tratarão pessoas de bem como criminosos. Eles sediarão a Copa do Mundo em 2018, estão se abrindo e não acredito que queiram passar essa imagem”, conta. “Entre nossos preceitos está o respeito a Deus, à família e às autoridades. Nós respeitamos as autoridades e não nos envolvemos politicamente. Se eles proibiram (o folheto, a Bíblia adaptada e o livro infantil), não íamos usar o material. O que praticamos aqui, praticamos na Rússia. É a mesma forma de conduta, o mesmo ensino. A notícia causou consternação no DF e no Brasil”, lamenta Adriano.

 

O Distrito Federal e o Entorno contam com cerca de 200 congregações e, aproximadamente, 20 mil fiéis. Há, inclusive, grupos que ministram as pregações em chinês, espanhol, inglês e francês — este último voltado para a comunidade haitiana na capital. Segundo José Emiliano, as Testemunhas de Jeová ainda não têm informações que expliquem a atitude do governo russo. Questionado sobre uma possível intervenção de outras organizações religiosas, ele disse que não “há como se ter certeza”, mas afirmou que a Igreja Ortodoxa Russa se mostrou desfavorável às Testemunhas de Jeová anteriormente. “A religião é um valor de escolha individual em uma sociedade que, por isso, torna-se plural. Cada um tem o direito de escolher aquilo que crê. No nosso caso, todo nosso trabalho e divulgação são voluntários. E nós falamos somente a quem deseja nos ouvir”, explica.

 

Mensagens diárias

Sem revelar o nome, um funcionário dos Correios confirma o alto número de cartas de vários lugares do Brasil para a Embaixada da Rússia. Segundo ele, a expectativa é que, em pouco tempo, a quantidade de correspondências chegue a 1 milhão. “São de várias pardes do Brasil. São cartas simples, registradas, por Sedex, em uma demanda muito além da esperada. Aumentou bastante a carga de trabalho”, revela. As cartas de Roberto Kayano Júnior, 39 anos, e da mulher, Gisela Kayano, 38, estão entre as milhares enviadas. Frequentadores de uma congregação no Cruzeiro Novo, eles acreditam que o “cartaço” promovido pelos religiosos chegará ao conhecimento das autoridades. “Soubemos do processo de proibição pelo site das Testemunhas de Jeová. Escrevi para o embaixador dizendo que estou apreensivo com a situação”, revela.

 

Roberto espera que o embaixador sensibilize as autoridades do país dele e que o julgamento seja suspenso. “Aqui no Brasil, nunca passamos por isso. Sabemos que cada país tem suas leis. Na Rússia, como no Brasil, as pessoas são livres para seguirem suas crenças. Mas eles estão nos considerando extremistas baseados em uma lei antiterrorismo. Talvez seja por falta de informação”, alfineta. Gisela concorda. “Foi uma possível má aplicação da lei antiterrorismo. Não existe nada nas nossas atividades ou publicações que possa ser entendido como extremista ou de natureza criminosa. Eu e meu marido mandamos cartas, e nossa filha, Saori, coloriu um desenho da (animação infantil) Marsha e o Urso, com uma frase, que mandamos também”, detalha.

 

Porta-voz nacional das Testemunhas de Jeová, William Santos disse que a organização vinha sofrendo com intolerância por parte do governo russo há algum tempo. “Todas as vezes que enviamos uma remessa de nossas Bíblias para o país, eles embargam”, destaca. Para ele, o credo como um todo está sofrendo “preconceito religioso”. “Todas as vezes que eles censuram um material nosso, tiramos de circulação nos nossos salões. A única coisa que continuamos fazendo são as visitas e as pregações, além de ler a Bíblia”, critica.

 

A reportagem do Correio Braziliense telefonou diversas vezes para a Embaixada da Rússia e enviou um e-mail pedindo esclarecimentos. O órgão, porém, não respondeu às ligações ou à mensagem.

 

As Testemunhas de Jeová estão em perigo de ter sua adoração proibida na Rússia. Por causa disso, elas estão fazendo um apelo direto aos funcionários do Kremlin (a sede do governo russo) e do Supremo Tribunal por meio de uma campanha mundial de cartas. O Corpo Governante está convidando os mais de 8 milhões de Testemunhas de Jeová no mundo todo a participar dessa campanha.

Em 15 de março de 2017, o Ministério da Justiça da Rússia entrou com um pedido no Supremo Tribunal da Federação Russa para que o Centro Administrativo das Testemunhas de Jeová naquele país fosse classificado como extremista e interditado. O pedido inclui também a proibição das atividades do Centro Administrativo. Se o Supremo Tribunal atender a esse pedido, a sede nacional das Testemunhas de Jeová, que fica perto de São Petersburgo, será fechada. Como consequência, cerca de 400 associações jurídicas também serão fechadas, tornando ilegais as atividades de mais de 2.300 congregações das Testemunhas de Jeová em toda a Rússia. A propriedade da filial e os locais de adoração usados pelas Testemunhas de Jeová em todo o país podem ser confiscados pelo governo. Além disso, cada Testemunha de Jeová pode ser processada criminalmente apenas por realizar suas atividades religiosas. O Supremo Tribunal deve considerar o caso em 5 de abril.

David Semonian, um porta-voz da sede mundial, declara: “O Corpo Governante das Testemunhas de Jeová quer chamar a atenção para essa situação crítica. Processar cidadãos pacíficos e que obedecem as leis como se eles fossem terroristas é com certeza uma má aplicação das leis antiextremistas. Essas acusações se baseiam em alegações completamente falsas.”

Essa campanha global das Testemunhas de Jeová já foi feita em outras ocasiões. Quase 20 anos atrás, elas escreveram cartas para defender seus companheiros de adoração na Rússia por causa dos esforços de alguns membros do governo daquela época para difamar as Testemunhas de Jeová. No passado, elas também escreveram cartas para pedir que funcionários do governo de países como Jordânia, Coreia e Malauí acabassem com a perseguição às Testemunhas de Jeová.

O Sr. Semonian acrescenta: “Ler a Bíblia, cantar e orar junto com irmãos cristãos não é, de forma alguma, um crime. Esperamos que essa campanha mundial de cartas motive os funcionários russos a interromper essas ações injustas contra nossos companheiros de adoração.”