Correio Brasília

MARIANA BASÍLIO – POESIA, UMA NOVA GERAÇÃO

05/05/2016 18:09

Por Evan do Carmo

Há um mito tolo que diz que a poesia não é artigo popular, que não é trabalho salutar, e que é sim passa tempo vulgar, que é ofício insalubre, coisa de gente desequilibrada, ou de espírito vagabundo. Pode ser, até certo ponto, uma meia verdade, contudo, a poesia sendo marginalizada, e às vezes perseguida, apesar de tudo isto ainda persiste, existe e existirá, pelo menos enquanto houver mundo, homem na terra ou no céu, enquanto houver amor, e amantes, sofrimento, traição, desespero e solidão. Enquanto houver sol e lua. Dia e noite, mares e rios, flores e crianças a sorrir, mulheres a chorar, enquanto houver sonho e esperança, haverá um poeta em cada canto deste mundo sem razão, sem objetivo. Talvez seja este o motivo de termos inventado a poesia.

E ainda mais interessante é que a musa é como uma fênix, que renasce a cada por de sol, e o poeta a encontra em suas noites de angústias em seus dias festejos, na cama da mulher amada ou na contemplação de um porto solitário.

Resolvi pesquisar autores novos, gente de grande talento que faz poesia no Brasil, e hoje tenho a honra de lhes apresentar Marina Basílio, como estreia de uma série de entrevistas que virá em seguida, a cada semana teremos um autor para engrandecer a cultura brasileira. Eis Mariana, uma simpática, talentosa e generosa poeta paulista. Viva a poesia.

Entrevista – Mariana Basílio

Mariana, me conta, sendo você contemporânea de uma geração que eu classifico sem miolos, a “Geração Facebook,” por que faz poesia, e não escreve romances hots, como fazem muitas mocinhas escritoras de sua idade?

Não sei se o termo “mocinha” entraria em mim, primeiro como gênero, segundo como tempo cronológico mesmo. Tenho quase trintas anos. Também acabo não me vendo na tal “Geração Facebook” ou nos adolescentes e jovens que já nasceram com a existência da Internet. Eu até os doze, treze anos não tinha nem acesso a um simples computador. A minha geração (década de 80) participou das mudanças entre o analógico e dialógico, e isso gerou impactos reais. Facilitou a comunicação entre as pessoas. Diminuiu as distâncias. Mas para mim os livros são ainda os meus melhores amigos. Sobre escrever poesia e não outro tipo de gênero – como romances “hots” (o que eu acho absolutamente válido e respeitoso de uma escritora fazer se assim o quiser e for boa a sua literatura) – eu digo que a Poesia me escolheu e não eu a ela, foi natural como respirar. Mas levei anos para maturar a coisa e ter a coragem de me denominar poeta, de publicar um primeiro livro, que é o “Nepente” (Giostri Editora, 2015).

 

Como foi que se deu seu encontro com a poeta interior, com aquela que já existia, mesmo antes de ser descoberta pelo primeiro poema?
Aconteceu enquanto gotas caíam pela janela. Eu tinha quinze anos. Aconteceu quando chovia também em mim. Sentia necessidade de me descobrir, afinal, quem eu era realmente? A única voz que me silenciou os ecos enormes daquele intenso dia foi a senhora Poesia. Assim fui poeta, para ser a essência de mim mesma.

Você pode descrever como acontece, no seu caso, a dor ou a alegria que produz a poesia, em que hora do dia isto ocorre?
Já passei por vários processos. Escrevia nas madrugadas, escrevia em pubs, escrevia declamando e “martelando” em máquinas de escrever, escrevia nos intervalos do trabalho, escrevia subitamente ao acordar no meio da noite – para deixar nascer o poema. Aconteceu de tudo um pouco entre os meus quinze e quase vinte e sete anos. Hoje em dia ocorre o seguinte: eu acordo cedo, eu leio, eu escrevo. Mais tarde eu reviso, em outra hora eu os declamo em voz alta e reviso novamente, mais tarde eu crio outros. Todos os poemas feitos desde o final de 2014 são poemas de minha segunda obra “sombras & luzes” – livro que pretendo publicar no segundo semestre de 2016.

Você acredita que a poesia pode vir a ser um dia artigo de usufruto popular, e como isto seria possível?
Acredito e sonho com esse dia. Sonho por duas vertentes: eu sou poeta e sou pedagoga, mestre em Educação. Como educadora e como criadora eu sei, eu vejo diariamente essa possibilidade nas crianças, nos jovens e nos adultos que receberam esse acesso e nos que poderão receber mais da Poesia e da Arte como um todo num novo universo, libertador e sublime. Mas para isso ocorrer de uma forma massiva, como usufruto popular, teremos que ter em nossa sociedade muitas mudanças avassaladoras, envolvendo o modo de produção econômico, a forma como é transmitida a educação nas escolas, os conhecimentos clássicos e artísticos em relação ao cotidiano das pessoas, o acesso aos centros culturais etc.

Não vou lhe perguntar sobre as suas influências, pois creio que isto não tem relevância, mas me aponte 5 autores universais que você admira.
Eu discordo. Para mim tem toda relevância. Para não cairmos naquela descrição da primeira pergunta, de uma geração “sem miolos”. Para se criar Arte, no caso, Arte Poética, com o todo respeito, intensidade, qualidade e sofrimento que isso causa, (veja é um labor dos mais mirabolantes e encantadores também), há de se ter boas referências. Enfim, não sou ninguém sem minhas referências, sou um oco nada sem elas. Me sinto com as referências um oco tudo, um oco a se construir com esses amigos-autores de séculos. Bebo da História humana, como das faces em frutas-livros que me são concedidos por criaturas tão formidáveis que nem sei descrever o quanto. Eu citaria muitos autores que admiro, mas por serem cinco somente, conto as minhas maiores influências na Poesia atualmente: Herberto Helder, William Blake, Walt Whitman, Hilda Hilst e Vinicius de Moraes.

Como você publica e divulga sua poesia e qual tem sido o alcance desta divulgação?
É engraçado me lembrar da primeira pergunta feita e agora responder a esta. Porque além de eu não me sentir parte da “Geração Facebook” e o resto dos “phones”, “oids” e etc, sempre fui avessa a me divulgar na internet e aos amigos, familiares no dia-a-dia. Por muitos anos quase ninguém, tirando uma ou duas pessoas, tiveram acesso aos meus versos. Eu pensei e pesei muita coisa antes de publicar minha primeira obra no ano passado, porque eu só tinha duas escolhas: ou eu assumia o que eu já sabia (sou poeta) ou eu viveria para sempre escondida em mim mesma. Resolvi sair pelos ares, e com isso acabei divulgando o livro pelo tal facebook (por conta do lançamento e outros). O resultado veio rápido. Eu comecei a receber convites de revistas para que fossem publicados os meus poemas, fiz novos amigos no meio literário, concedi entrevistas para jornais, TV, etc – as coisas foram fluindo muito bem até aqui. Nesse contexto, digo que aprendi a tentar me conectar e participar mais dessa realidade tecnológica e virtual que vivo, e é bem recente essa minha percepção. Ajudou bastante com a divulgação do livro, enviei o livro para lugares diversos e que nunca imaginei que estariam, foi lindo!

No Brasil, como você vê o comportamento do mercado editorial, sobretudo com relação às mulheres poetas?
Falar do mercado editorial no Brasil é um assunto delicado, complexo e necessário. Primeiramente, deveríamos falar de várias coisas que aqui não caberiam numa mesma entrevista, mas que valeriam ser faladas: mercado editorial e Poesia (sua falta de espaço nas grandes editoras, por vender menos que outros gêneros), mercado editorial e novos autores (a dificuldade de publicação dos novos poetas por médias e grandes editoras), mercado editorial e prêmios literários, mercado editorial e falta de acesso da população brasileira aos livros (livros são caros em relação ao salário da maioria da população), etc.

Mas para ser atenta à sua pergunta eu te direi uma obviedade daquelas que é tão óbvia que muita gente não se dá conta. Nós mulheres ainda somos a “imensa” minoria na Literatura. E vou falar de minha área, a Poesia. Primeiro eu defendo um ponto de vista de igualdade já na definição do que sou. Por que ser poeta sendo homem e ser “poetisa” sendo mulher? Eu não gosto, não concordo quando me definem assim. Sou poeta, sendo homem ou mulher. Um exemplo concreto dessa discrepância entre mulheres e homens na Literatura, e consequentemente no mercado editorial, é que nós somos ainda a minoria nas indicações de prêmios literários – vejam o que ocorreu no prêmio Jabuti deste ano – de dez finalistas, somente uma é mulher, a querida Líria Porto. E sim, nós somos a minoria a enviar originais para as editorias, eu sei. E isso é uma consequência histórica da sociedade machista que vivemos. O caro colega e maravilhoso editor, Eduardo Lacerda, da Editora Patuá (uma pequena grande desbravadora) disse esses dias que recebe três vezes mais originais de homens do que de mulheres. É triste saber desses fatos, mas são parte ainda de nossa contemporaneidade. O bonito da história foi saber que ele tem o cuidado de tentar publicar na editora o mesmo número de homens e de mulheres. Isso é uma ação muito importante. Quem dera se todo o mercado editorial caminhasse e funcionasse observando essa realidade. E finalizando, claro que ver esse pequeno número de envios é nos conscientizarmos do quanto as mulheres foram usurpadas intelectualmente por séculos: não faz muito tempo, existia uma vida em que a mulher não podia estudar, em que ela não podia trabalhar fora de casa, em não podia votar – faz muito pouco tempo para que tudo isso se tornasse realmente igualitário hoje em dia. Assim, digo que é necessário lutarmos para que haja essa igualdade, sempre frisando essa desigualdade. As coisas estão mudando, graças. Muita consciência e senso aflorando, eu sou uma eterna otimista. Sonhadora o suficiente para ter certeza que um dia tudo isso que falamos agora será um assunto batido e superado. Ojalá.

É possível viver de poesia, se não é, como você ganha a vida, tem outra atividade paralela?
Não é possível. Talvez para quem faça outras coisas como a chamada Literatura Fantástica, ou romances, etc. O gênero poético é muito pouco adquirido em nosso país, infelizmente. Eu possuo licenciatura em Pedagogia e mestrado em Educação, recentemente concluído. Dou aulas. É assim que sigo, a educar mentes e a escrever minha arte.

Você acredita em concurso de literatura, já participou de algum?
Não acredito nem desacredito, participo. Mas foi a pouco isso, enviei para três, um deles eu esqueci de me identificar nos arquivos dos poemas (fui desclassificada) e os outros dois eu fui premiada: no IX CLIPP de Presidente Prudente e no Portal Amigos do Livro do Grupo Scortecci.

Sua poesia já saiu do Brasil, publicou em outro país. Qual tem sido o resultado?
Já. Fui publicada em revistas de Portugal. Eu amo Portugal, aliás. A minha segunda obra “sombras & luzes” será dedicada ao grande poeta português Herberto Helder. Tem sido interessante o reflexo dessas publicações, conheci gente boa entre amigos editores, poetas e leitores. E com exclusividade conto que o prefácio dessa nova obra será assinado por um querido amigo e talentoso poeta de lá, Filipe Marinheiro.

Onde o leitor do Anexo6 pode encontrar sua obra para comprar?
O meu primeiro livro, “Nepente”, está à venda nas principais livrarias do país, como Saraiva, Martins Fontes, Travessa, Companhia das Letras, e internacionalmente nos sites da Amazon.

Para quem quiser degustar poemas esparsos, há versos meus pela rede, em revistas da área como Inefável, Efémera, Equador das Coisas, Garupa, Raimundo, O Garibaldi, mallarmargens, Germina, etc.

Três poemas inéditos
De sua nova obra, “sombras & luzes”

XLII

“E sonho-te 
quando ansiava ser um sonho teu. ”
Mia Couto

Quando aguardava no silenciar dos meus ais o teu
chamado… Quando eu ainda te amava em silêncio.
Quando.
Quando?

(Silêncio.)

Quando era a luz dos teus olhos que se esparramava
ao mar. Era um sonho tolo, uma busca que nunca
existiria e mesmo assim era uma figura fulgurosa de
mim – a mulher epitáfio estátua ampla a te esperar.

(Transparente.)

Quando eu aguardava que o tempo fosse somente
atemporal, ao mastigar as horas pelas mãos cruas
de um vento que me dobrava em monumentos:
Fui o que foi para ser, sou para ser o que se és.
Vez em quando. É que fomos um dia ‘nós’.

E lentamente, fui menos amada, menos.
Eu SEI. Ainda sim suponho que possas
pensar inesperadamente, tardiamente em
meu gesto, em minha fala, em meu dom:

“Por onde andará a mulher
oblíqua, a mente que não se
media, a criatura que
não pude amar?”

Quando eu sinceramente ouço os gritos
da noite ao olhar vagamente pela janela
eu sei eu vejo um madrigal de pássaros a
formar lírios-oceanos vez em quando – é
quando sinto o nó a formar-se em meu
peito e que jamais jamais se renderá:
Como se o amor passageiro fosse
ele o verdadeiro ato de amar.

XLVIII

Esta noite. Não mais outra. Esta noite.
Para que eu despeje aleatória o meu ser
pelas estrelas súbitas que nos rodeiam.

Gentilmente, subirei aos olhos da noite
aos degraus mais altos do pensamento.
Serei nua como a noite é a luz pelo dia!
Para esta noite eu ser uma nova pessoa.
Para SER, enfim.

Quero renascer no instante em que te
escrevo atônita sobre a minha falta,
a minha maneira de ser carambola:
Em beiradas de doçura, num amargo
que aponta-me longos anos perdidos.

E como hei de sobreviver? Fatalmente
me colocando a repensar as cruezas
do mundo, a chorar a maldade alheia,
a rezar contra a injustiça dos homens.

Como hei de sobreviver?
Pensei sem rumo em estrelas.
A escalar as estrelas esparsas!
Sendo elas, sendo eu mesma
a silenciar unicamente esta noite
em minha voz que emudecida
escapula plena numa cantiga
nas espumas doces do mar.

LXXV

“Szukam slowa”
Wislawa Szymborska

Eu procuro a palavra. Para que nela
eu possa realmente existir. Na palavra.
Em que recrio a minha alma e a tua
para que consigas agora me ler.

Na palavra eu me procuro.
Na palavra eu me perco.

Palavra.

E por que não a procuraria?!
Só nela está o sagrado.
Só nela está o segredo.
Li nela os meus vãos
desejos em trovejos.

Que a palavra me levante.
Que a palavra me abençoe.
E me cuspa crua quando eu
não mais existir em manhãs.

Que a palavra persista, nua
no ruído no escuro brilho que
brilham os nossos mortos.
Na palavra.